Os recortes da memória

Em meio aos tantos enfeitizinhos da sala está o aquário pequeno e agora vazio, que antes ficava perto do rádio toca-fita monstruoso, pelo qual eu e minha tia ouvíamos as músicas do Pe. Zezinho.
Nessa época, quando não estava aprendendo alguma música do Zé Ramalho, meu pai tocava enquanto eu cantava -e fazia os sons de- A Orquestra dos Bichos.
Eu adorava sair pulando e cantarolando por aquela rua que liga a minha casa à casa da minha avó, principalmente na parte da manhã, quando o clima estava mais fresco, o mundo parecia bem mais calmo, as pessoas sorridentes e as árvores mais coloridas.
Na escola eu usava uma bolsa de rodinhas que tinha várias cores, mas nenhum desenho como eu pedi que tivesse. Minha mãe a pendurava no guidão da bicicleta enquanto me levava pra escolinha. No caminho, porém, parava na padaria da esquina pra que eu pudesse comprar refrigerante e M&M's (a gente nunca ligou muito pra essa coisa de ser saudável). Depois de um tempo, ganhei uma mochila rosa e roxa brilhante, com um desenho divertido da Sandy Bochecha, e que por ser maior que eu, fazia com que eu parecesse uns centímetros mais baixa (se é que isso era possível). Mas eu a adorava, assim como do cheiro adocicado da minha borracha e da minha saia vermelha florida e cheia de babados (de onde eu herdei o meu gosto por vestidos rodados).
Todo ano, perto do meu aniversário, eu escutava minha avó e minha mãe cochichando na sala sobre uma festinha surpresa que nunca pôde ser surpresa de verdade, já que descrição nunca foi o forte delas. 
Nas vésperas de natal, no horário de verão, a gente sentava na varanda enfeitada (com os mesmos enfeites usados até hoje), escutava os barulhos das cigarras e planejava o quanto de comida seria comprado para o dia. Às escondidas, eu fazia uma lista do quanto eu poderia gastar com os presentinhos de natal, reservando a maior parte do dinheiro pro presente de aniversário da minha mãe.
Tinha poucos amigos, quase nenhum estilo e sempre zombavam do meu cabelo, minha introspecção e meu biotipo. Mas mesmo assim, com tudo o que ainda faltava, nessa época me parecia ser um bom negócio viver.

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